Um longo caminho para os espumantes e queijos nacionais

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O que dá tração a um produto elaborado é uma sustentada demanda interna

Por qualquer besteirinha, a gente fica alardeando que tem qualidade de exportação. É como se uma venda de um vinho tinto, de um tapete ou de atum enlatado consagrasse nosso produto aos olhos do mundo

1. Fez muito bem Lula ao presentear Macron com queijos e espumantes brasileiros. Eu já fiz o mesmo algumas vezes com amigos franceses. É claro que é sempre bom provocar o presenteado num terreno em que ele se acha soberano.

2. Somos um colosso agrícola, alimentamos o mundo todo e poderíamos fazer mais se os ferrenhos agricultores franceses chantageassem menos os seus Presidentes. Que se contentassem com os produtos de valor agregado do seu privilegiado terroir.

3. Mas as coisas não são assim. Eles morrem de medo que inundemos os seus silos de soja e, a qualquer esboço de um acordo, chantageiam os vizinhos europeus e viram uma espécie de Asterix esbravejante. Mas falemos de queijos e espumantes.

4. Eu não vou aqui deitar falação sobre as qualidades de nossos espumantes, dos quais admito que, “faute de mieux”, sou bom consumidor. Das vezes que ofereci os nossos a degustadores gauleses experientes, mal contive a respiração para ver como eles reagiam.

5. “Hum, ça va, ça va! C’est un mousseux agréable, c’est tout. Ce n’est surtout pas de Champagne, hein…” [“Está bem, está bem! É um espumante agradável, só isso. Definitivamente não é Champanhe, hein…”]. Ouvir isso de um francês já é razoável. Na última ocasião levei um Cave Geisse e um Pinto Bandeira Extra Brut. Do mais benevolente deles ouvi: “Vocês têm um bom futuro”.

6. É óbvio que os franceses não bebem champagne diariamente. Muito menos essas grandes marcas que ressoam no mundo todo. Mas é evidente que quem cruza caminhos de vez em quando com Krug, Ruinart, Taittinger e Perrier-Jouët vai estranhar uma Perini.

7. Já no terreno dos queijos nós perdemos de muito feio. Tempo desses estive em Belo Horizonte, uma referência possível de algumas variedades. Trouxe alguns tipos para comer em casa. Francamente, duas semanas depois ainda tinha queijo sobrando.

8. Já quando eu volto da Europa, seja da Itália, Portugal, França, Suíça, Holanda ou Inglaterra, compro duas vezes mais e, ao cabo de uma semana curta, já não há vestígio, só saudades. Dos queijos mineiros, um terço não tinha gosto, outro parecia sabão e outro picava a língua.

9. Todo dia eu ia à geladeira me abastecer de um naco de um ou de outro, como faço como com o Kroon Old Dutch, com um Talegio, um Brie des Meaux ou um Roquefort (covardia), mas simplesmente não rolava, encruava. Falta demanda, tradição, engenho e arte.

10. De vez em quando pode aparecer um queijinho mais instigante. Tempo desse achei um Lua Cheia, da Serra das Antas, que integrou o kit presidencial. É bom, tem bom preço (o mesmo de um Camembert), mas o suprimento é irregular porque “sai pouco”.

11. E, no entanto, por qualquer besteirinha, a gente fica alardeando que tem qualidade de exportação. É como se uma venda isolada de um biquini, de um vinho tinto, de uma sandália, de um tapete ou de atum enlatado consagrasse nosso produto aos olhos do mundo.

12. Acho isso uma bobagem. Ajudei a escoar milhões de dólares de mercadorias para o mundo e me orgulho disso. Mas o que dá tração a um produto elaborado é uma sustentada demanda interna. Só assim os preços caem e a qualidade sobe. Prêmio é perfumaria.

13. Mas, convenhamos, foi um gesto eloquente e simpático.

 O que dá tração a um produto elaborado é uma sustentada demanda interna 

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